Macron e o Estado da Palestina, um legado diplomático repleto de obstáculos
                O presidente francês, Emmanuel Macron, passou de expressar um forte apoio a Israel após os ataques de outubro de 2023 a reconhecer o Estado da Palestina, uma virada diplomática que enfureceu o governo israelense e parte da França.
Macron, cujo segundo mandato termina em 2027, planeja oficializar nesta segunda-feira (22) em Nova York que a França reconhece um Estado palestino, "um dos legados diplomáticos de sua presidência", de acordo com um de seus aliados.
"Isso pode se tornar um êxito para a França", na linha do "não" francês à intervenção americana no Iraque em 2003, de acordo com o ex-embaixador Michel Duclos, especialista do think-tank liberal Instituto Montaigne.
Mas o reconhecimento francês e seus esforços para influenciar outros países a fazer o mesmo não eram evidentes nos dias posteriores ao ataque do movimento islamista palestino Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra em Gaza.
Emmanuel Macron imediatamente deu um apoio muito firme aos israelenses. "Israel tem o direito de se defender eliminando os grupos terroristas", declarou enfaticamente em 12 de outubro.
Embora também tenha destacado a necessidade de preservar os civis e apontado que uma paz duradoura implicaria "um Estado para os palestinos", parte da opinião pública criticou o tom adotado, mais pró-Israel.
Mas quando o governo israelense de Benjamin Netanyahu intensificou sua ofensiva na Faixa de Gaza, Macron rapidamente fez um apelo ao "cessar-fogo", e passou a condenar mais as operações israelenses.
No início de 2024, alertou que "o reconhecimento de um Estado palestino não é um tabu para a França". Porém, por muitos meses, as palavras não foram seguidas de ações, até que em abril encontrou palestinos feridos durante uma viagem ao Egito.
- Perda de confiança -
Para Macron, o reconhecimento é então uma ferramenta diplomática "para pressionar Netanyahu", segundo um aliado. Seu círculo começou a temer que ele fosse acusado de permanecer passivo diante da tragédia em Gaza, acrescenta outro amigo do presidente.
Paris sempre defendeu que esse gesto deveria ter um "impacto", como a libertação dos últimos reféns do Hamas, para não se limitar a um símbolo. No entanto, rapidamente entendeu que, dada a situação no terreno, a decisão podia ser bloqueada se fosse condicionada a ações concretas.
Embora o passo não seja dado sozinho, já que Reino Unido, Canadá, Austrália, Portugal e outros países se juntaram à nova onda de reconhecimentos do Estado da Palestina, o impacto será limitado sem os Estados Unidos de Donald Trump, apoiador incondicional de Israel.
O reconhecimento "só atingirá sua plena realização se conseguir envolver Trump", explica Duclos. "Também é do interesse dele, pois permitiria impulsionar os acordos de Abraão" de normalização entre os países árabes e Israel, acrescenta.
O gesto da França esfriará ainda mais as relações com Israel, que já anunciou represálias às quais Paris pretende responder, correndo o risco de piorar também a situação dos palestinos.
Em agosto, Netanyahu acusou Macron de "alimentar o fogo antissemita". "O reconhecimento de um Estado palestino é a melhor forma de isolar o Hamas", que não quer uma solução de dois Estados, defendeu o francês em uma entrevista a um canal de TV israelense.
A comunidade judaica da França, a maior da Europa, também não concorda com a decisão de Macron, que em setembro de 2018 se tornou o primeiro presidente francês a participar do Ano Novo judaico na Grande Sinagoga de Paris.
"Atualmente desconfiamos totalmente do presidente, que deveria ser quem garante nossa segurança", afirmou Marc Sindres, de 77 anos.
L. de Freitas--JDB